A bola é delas: conheça a história do futebol feminino no DF
“Começamos numa brincadeira do dia das mães. Fizemos um torneio na rua mesmo e percebi que tínhamos muitas meninas com talento para jogar”. A história não é do início do futebol feminino brasiliense, mas poderia ser. O depoimento é de Lurdinha, que presidiu o extinto Guarany e relatou acima como foi a criação do time, em 1995.
A história do futebol feminino em Brasília passou por diversas fases, desde as dificuldades constantes no começo até a recente melhora, ainda que não tão avançada, para alguns clubes. Mesmo com tantas particularidades, a capital federal tem sua importância no futebol feminino nacional, tendo atualmente quatro clubes nas principais divisões do país: Real Brasília na Série A1, Minas Brasília e Cresspom na A2 e o Capital na A3.
Começo difícil
Antes do sucesso recente, o futebol feminino em Brasília passou por diversas dificuldades. Os registros mostram que os primeiros jogos de futebol entre as mulheres no Distrito Federal aconteceram em meados de 1963, quando o ex-administrador do Guará e hoje integrante do Ministério Público do Tocantins, Francisco Bernardes, fez um pedido inusitado à época aos dirigentes do Clube de Regatas Guará: montar um time de futebol feminino para jogar a preliminar do jogo festivo que comemorava os 14 anos da região administrativa, que seria disputado entre Guará e América Mineiro.
O desafio era grande, poucas mulheres jogavam futebol nos anos 60. Uma das meninas que topou foi Leni Silva, então com 14 anos de idade. “Não era nada fácil a situação, naquela época o preconceito era ainda maior, assim como o apoio (falta dele). Sempre joguei com os homens porque as meninas acabavam batendo demais em nós. A carreira não deu certo porque ou era o futebol, ou o meu emprego”, explica ela com tom baixo de voz.
Leni chegou a ser convocada antes de abandonar o esporte para trabalhar para o Mundialito Feminino em 1986, competição que precedeu a Copa do Mundo, criada apenas em 1991, que reuniu seis seleções de todo o mundo. Na época, o Brasil ficou em último do seu grupo e não passou para a fase final. O primeiro campeonato organizado de futebol para mulheres no Distrito Federal aconteceu no mesmo ano de 1986, quando a Federação Metropolitana de Futebol do Distrito Federal criou um departamento de futebol feminino, algo inédito e inovador na época.
A coordenação ficava com a Diretoria de Futebol Amador. O Campeonato Distrital contou com a participação de seis clubes: Gama, Guará, Jardim, São Paulo Júnior, Sobradinho e Vila Dimas. O jogo inicial aconteceu em Sobradinho, com vitória de 9 a 1 das donas da casa sobre o Guará. O destaque foi a atacante Verônica, que fez seis gols. O título ficou com a equipe do Vila Dimas, após disputa de um triangular final com o Jardim e o São Paulo Júnior.
Naquele mesmo ano, uma seleção de jogadoras de todos os times foi escolhida para disputar a Taça Brasil, o equivalente até então ao Campeonato Brasileiro, com a camisa do Vila Dimas. A equipe foi muito bem e conseguiu, já na sua primeira participação, o vice-campeonato, perdendo para a fortíssima equipe do Radar, que tinha a base da seleção feminina e as melhores jogadoras do país.
No ano seguinte, a equipe jogou em casa representando o Distrito Federal, mas novamente ficou com o vice-campeonato, em nova derrota para o Radar. Na final, que aconteceu no Serejão, as brasilienses foram derrotadas nos pênaltis após o empate em 0 a 0 no tempo normal.
De Brasília para o mundo
Hoje em dia, a capital federal também conta com atletas que nos representaram na seleção brasileira, uma delas nascida e criada aqui, a meia Victória Albuquerque, de apenas 24 anos, já coleciona sucessos em sua curta carreira. Em 2018, ainda jogando pelo Minas Brasília, ela foi campeã estadual e nacional da A2 – a segunda divisão do futebol feminino, e de quebra foi titular e campeã pela seleção Sub-20 no Sul-Americano da categoria. Em 2019, ela continuou a ter sucesso e foi contratada por um dos maiores times do país na modalidade feminina, o Corinthians-SP, onde voltou a jogar recentemente, e por lá ganhou a Copa Libertadores de 2019. A coroação do grande ano veio quando fez o primeiro gol pela seleção profissional. “Foi um dos melhores anos da minha carreira, marcar como profissional e representar a seleção do meu país é algo que sempre quis, e estou muito feliz por todo esse bom momento”, conta ela, feliz.
Outro sucesso que passou pelo futebol candango foi a centroavante Nathane Fabem, artilheira da Libertadores, campeã do Brasileirão de 2018 pela Ferroviária, e atualmente atleta do Bahia. Em 2012, ela teve boa passagem pelo Minas Brasília, sendo vice-campeã do DF. “Tivemos uma grande temporada, apesar da derrota na final do candangão”, diz Fabem.
A maior revelação do Cresspom é a atleta Dany Helena. Ela foi bicampeã pelas Tigresas em 2014 e 2015, e é a jogadora que mais vezes foi artilheira do campeonato local (três vezes). Em seu último jogo pela equipe, marcou quatro dos oito gols da final do último título, conquistado em 2015. No ano seguinte, foi para o Iranduba-AM, e na sequência, para o Flamengo-RJ, virando em pouco tempo a melhor jogadora da equipe, sendo artilheira isolada da série A1 em 2018, e, com isso, conseguindo a sonhada convocação para a seleção brasileira.
Campeões extintos
Até 2022, foram disputadas 25 edições do Campeonato Candango Feminino, que começou de forma oficial em 1997, com o título sendo conquistado pela equipe do Flamengo Tiradentes. Até hoje, foram 11 equipes que conseguiram o título da competição, porém, sete delas já não existem mais ou não tem mais a categoria feminina: Flamengo Tiradentes, Aruc, Iate Clube, CFZ, Apollo IV, Luziânia e Ascoop. O maior campeão da história é o Cresspom, clube da Polícia Militar, com sete conquistas, seguido por CFZ e Real Brasília, com quatro conquistas cada. Logo após vem o Minas Brasília, com três títulos, e o Apolo IV, com dois.
O Real Brasília, criado em 2019, ganhou as últimas quatro edições e igualou o recorde do CFZ em títulos seguidos, que foi de 2000 a 2003.
Além das equipes que representam o DF, a capital também sempre foi considerada uma das referências quando se trata do futebol universitário feminino. Em 2014, foi realizada aqui a primeira Copa Brasil Universitário de Futebol Feminino, a CBUFF. Participaram cerca de 700 atletas de 24 estados. Brasília foi representada pela União Pioneira de Integração Social (Upis), que chegou à final, mas acabou derrotada pelas representantes de Santa Catarina, a Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (Uniarp), por 4 a 0. Algumas atletas que estiveram no elenco da Upis viraram jogadoras de futebol profissional aqui ou em outros estados brasileiros.
Outro time extinto, mas que fez história, foi o Guarany, que não ganhou nenhum título mas é a equipe que detém o recorde de cinco vice-campeonatos locais. A presidente do antigo time, Lurdinha, recorda com orgulho o início da equipe, a partir de um jogo no dia das mães que deu certo: “Sugeri que fizéssemos um time de campo society para poder jogar mais. Fizemos um torneio com apenas três equipes, pois na época tínhamos poucos times aqui, era uma fase ainda mais difícil, ganhamos, e seguimos empolgadas”. Dentre as dificuldades citadas estava até a falta de uniformes.
O Gama, hoje bem conhecida pelas boas campanhas no masculino, onde é a equipe com mais títulos, 13 ao todo, também já teve time no feminino. Marcelo Gonçalo, narrador esportivo e colaborador do Blogama, site que acompanhava o futebol da região administrativa, explica que o time era uma espécie de terceirização, e não uma prioridade para o alviverde. “No começo foi bem difícil, apesar do vice em 99, a equipe levava diversas goleadas que desmotivavam as atletas. Mas aí foi melhorando o nível e crescendo, principalmente com a chegada do treinador Célio Lino. Após a saíra do Célio, em 2019, a equipe se desfez. Até houve uma retomada em 2021, com uma parceria que trouxe mais problemas do benefícios, mas hoje o feminino não mais existe no clube”.