Vários atletas da canoagem e paracanoagem brasileiras se juntaram para denunciar uma série de irregularidades na Confederação da modalidade, que vem se monstrando um grande exemplo de má gestão.
A CBCa (Confederação Brasileira de Canoagem) estava com o mesmo presidente há 32 anos – o que contraria o próprio Estatuto -, mas que veio a falecer em janeiro deste ano por complicações causadas pela covid-19.
Agora, às vésperas de uma nova eleição – marcada para o próximo dia 20, de maneira remota-, e que já estava prevista antes da morte do dirigente, graves indícios de manipulação vieram à tona. Duas das três chapas candidatas trazem pessoas da atual gestão que escondem dívidas milionárias e pretendem engavetar denúncias e 222 processos que respondem na justiça.
Falta de transparência
Em 2010, foi fundada a Academia Brasileira de Canoagem (ABRACAN) com a finalidade de captar recursos, uma vez que, graças à uma má gestão, a CBCa não possuía certidões negativas válidas junto aos órgãos de controle.
Entre 2012 e 2016, a ABRACAN recebeu do BNDES aproximadamente R$ 32 milhões, mas em seu site, o último balanço de transparência registrado é de 2017, com um déficit de quase R$ 2 milhões, além de R$ 700 mil em dívidas previdenciárias e tributárias.
O atual presidente da ABRACAN, Rafael Girotto, nunca publicou no site os balanços financeiros, e além disso, acumula diversos cargos junto à canoagem brasileira, como o de presidente da Federação de Canoagem do Mato Grosso do Sul, membro da Comissão Eleitoral e do Conselho Administrativo e Auditor do STJD da Canoagem.
Para receber dinheiro, a Confederação precisa prestar contas. Como a ABRACAN, Associação fundada pela entidade com o único objetivo de receber recursos públicos, não presta contas desde 2017, isso coloca em risco o repasse de verba federal e os patrocínios privados. As dívidas chegam a R$ 7 milhões acumulados no decorrer dos anos e sob a conivência dos que aprovaram as prestações de contas irregulares que, hoje, ameaçam a sustentabilidade financeira da Cbca.
Estamos diante de um verdadeiro festival de superfaturamentos e dívidas trabalhistas e previdenciárias. Orçamentos e planilhas sem pé nem cabeça, campeonatos milionários e eventos cancelados para beneficiar conhecidos com resultados, prazos remanejados sem conhecimento e justificativa, além de concessão de privilégios para um seleto grupo de aliados
Enquanto essas corrupções acontecem dentro da Confederação, em pleno ano Olímpico, atletas ficam sem recursos para as competições e treinamentos. Membros da entidade ocupam mais de um cargo sem prestar contas do montante de dinheiro que circula em benefício próprio, criando dívidas milionárias que ninguém sabe a origem.
Denúncias
“A Lei nº 11.438/06, ou Lei de Incentivo ao Esporte – LIE, como é mais conhecida, permite que recursos provenientes de renúncia fiscal sejam aplicados em projetos das diversas manifestações desportivas e paradesportivas distribuídos por todo o território nacional. Por meio de doações e patrocínios, os projetos executados via Lei de Incentivo ao Esporte atendem crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, além de garantir o suporte necessário para que aos atletas de alto rendimento possam participar e representar o Brasil em competições nacionais e internacionais. Mais do que um instrumento jurídico, trata-se de uma inovação e um avanço na consolidação do paradigma do esporte como um meio de inclusão social”
Secretaria do Esporte
Entretanto, se o objetivo do projeto não é atingido, o dinheiro deve ser devolvido. E boa parte do montante captado para projetos da LIE, recebido pela CBCa e pela ABRACAN, não foi aplicado conforme aprovado pelo Ministério e deveria ter sido devolvido aos cofres públicos. A prova disso são os diversos processos abertos no Tribunal de Contas da União (TCU) exigindo a devolução do dinheiro não ressarcido e sem prestação de contas, e que podem ser vistos a partir de uma busca por Confederação Brasileira de Canoagem no site do TCU.
O Ministério Público e a OAB do Paraná acataram as denúncias e já abriram investigações sobre o caso. Denúncias também foram enviadas ao Comitê Olímpico Brasileiro – COB, à Controladoria Geral da União – CGU e ao Ministério da Cidadania. O TCU deve seguir o mesmo caminho pedindo uma autoria.
Faltando poucos dias para as eleições, há graves indícios de manipulação do processo eleitoral. Os dirigentes da atual gestão da CBCa e da ABRACAN também estão presentes em duas das três chapas que concorrem e, em benefício próprio, chegaram a mudar o prazo para regularizar as federações e associações votantes, em um total de 30 votantes dentro de um universo de mais de três mil atletas.
“Não entendo como uma empresa pode dar o patrocínio para uma entidade com tais problemas, e nem como uma confederação com esses rombos possa seguir buscando recursos com leis federais ou estaduais de incentivo ao esporte. A atual gestão é responsável por isso, e deve ser responsabilizada”, afirmou um atleta que não quis se identificar.
Em conversa com poucos atletas já foi possível perceber uma situação corriqueira na entidade: a compra de votos. Para se manterem no poder por décadas, os dirigentes prometem equipamentos como barcos e remos, benefícios como bolsas e viagens, tudo para seguir no comando.
Enquanto isso, o esporte que já trouxe muitas alegrias para o Brasil, vai padecendo sem recursos, sem legado e cheio de dívidas.