Certa vez o Mané Garrincha viu, aproximadamente, 50 mil cabeças celebrando um grande título. No dia 20 de dezembro de 1998, a Sociedade Esportiva do Gama levou, ao estádio, torcedores o suficiente para ser recorde de público em qualquer temporada dos tempos atuais. Os 50 mil gamenses assistiram naquele dia Romualdo, Rochinha, Kabila e companhia amassarem por 3 x 0 o Londrina e levantarem o primeiro título nacional de futebol profissional do Distrito Federal.

Quatro anos mais tarde, foi a vez do maior rival do alviverde encher um estádio em dia de decisão nacional. Corinthians e Brasiliense decidiram o troféu da Copa do Brasil em 2002. 32 mil pessoas acompanharam um vice-campeonato importantíssimo para o futebol de Brasília. Os torcedores do Jacaré ainda reclamam dos erros de arbitragem naquela ocasião, mas o resultado entrou para a história de uma maneira ou de outra.

Àquela altura, nutríamos a esperança de um futebol brasiliense bem estruturado e alcançando ainda melhores resultados no cenário nacional. Quem sabe um Distrito Federal no top 10 do ranking do futebol brasileiro? Quiçá um Gama x Brasiliense em mata-mata de Copa do Brasil. Libertadores, com sorte. Vã e inocente esperança de criança. 2019 chegou com os dois pés nos peitos do cidadão brasiliense.

Flamengo como prioridade

Eis que mais um novo governador foi eleito em Brasília. Para os fãs do esporte local, como eu, talvez uma nova esperança de dias melhores para o nosso futebol. Trazer grandes marcas que estampassem o Candangão seria excelente. Quem sabe uma nova competição para valorizar o calendário curto da maioria dos times. Investimento no crescimento da base e do feminino. E outros esportes? Volêi, basquete, handebol, futsal… Como sempre, isso tudo fica no imaginário. O chefe do Executivo, Ibaneis Rocha, joga tudo isso para escanteio e prefere organizar uma grande festa para flamenguistas de Brasília no dia da final da Libertadores de 2019.

No dia em que o governador se tornar o presidente do clube carioca, eu imagino que o Flamengo vá brigar de igual para igual com grandes europeus, pois nunca vi tanto amor por um clube forasteiro, principalmente vindo de um representante do povo brasiliense. A vontade de ver o rubro-negro erguer o troféu mais cobiçado das Américas é grande, governador? Eu entendo, são muitos anos desde que o Zico destruiu o Cobreloa, correto? Eu entendo o senhor.

Acredito, no entanto, que o senhor não saiba o que é a vontade de um gamense de ver o alviverde retornar à divisão que é compatível com sua grandeza. Uma Série C, B, quiçá beliscar uma vaga na elite, sonhar com vaga na Libertadores. Mesma coisa o torcedor do Jacaré, órfão de protagonismo a nível nacional. Duas torcidas apaixonadas que têm de sustentar seu amor em voos baixos demais para suas histórias. Isso sem citar Brasília, Luziânia, Taguatinga entre tantos outros. Sem mencionar, também, os torcedores, dirigentes e atletas do futebol feminino, do vôlei, do basquete, do futsal, do handebol, do atletismo e de tantas outras modalidades que temos na capital federal.

Mas convenhamos, uma capital que há anos espera por melhorias na segurança, educação, transporte público e, principalmente saúde, entre muitas outras necessidades primordiais, estaria esbanjando luxo aos vizinhos se tivesse ao menos um futebol bem estruturado e brigando de igual para igual contra as grandes federações futebolísticas do país.

Fica o convite ao sr. Ibaneis Rocha. Visite o Bezerrão, o Serejão, o próprio Mané Garrincha. Augustinho Lima, JK, Cave, Rorizão e tantos outros que vivem sem condições básicas de sediar o desporto brasiliense. Acompanhe o futebol local. Traga especialistas e converse com a comunidade futebolística. Entenda o que torcedores, atletas, dirigentes e todos os componentes do círculo esportivo que se encontra embaixo do seu nariz têm a dizer sobre as condições que eles enfrentam diariamente.

Por fim, estude a história das quatro linhas da capital. Se surpreenda com a nossa tradição e se apaixone por estas pessoas que lutam pelo reerguimento do nosso futebol. Quem sabe depois disso o senhor não caia na real e largue essas ilusões rubro-negras e forasteiras da sua cabeça. Caso contrário, desejo sorte na construção da campanha para as eleições presidenciais do Clube de Regatas do Governo do Distrito Federal e Flamengo S.A.

Na pior das hipóteses, por fim, estamos todos muito acostumados em ver o futebol de Brasília sucateado como ele é. É só ouvir a reação negativa de tantos e tantos que torcem para o mesmo Flamengo do governador, quando perguntados sobre Gama, Brasiliense, Ceilândia, Brasília e etc. “Futebol do DF? Bom quando Gama e o Brasiliense eram alguma coisa. Hoje em dia não vale mais nada”. Ou “Futebol em Brasília?” Existe mesmo?!” Quantas vezes não escutamos esse tipo de coisa?

Os que dizem isso certamente comprometem e comprometerão boa parte de seu orçamento mensal para assistir o Flamengo em Brasília. Mesmo que seja por um telão quilômetros de distância do gramado onde a final será jogada.